25/05/2014
O ser humano consciente não deve ser considerado à parte do
processo da evolução. Ele representa um momento especialíssimo da
complexidade das energias, das informações e da matéria da Mãe Terra.
Cosmólogos nos dizem que atingindo certo nível de conexões a ponto de
criarem uma espécie de um uníssono de vibrações, a Terra faz irromper a
consciência e com ela a inteligência, a sensibilidade e a capacidade do
amor.
O ser humano é aquela porção da Mãe Terra que, ao alcançar certo
nivel de complexidade, começou a sentir, a pensar, a amar, a cuidar e a
venerar. Nasceu, então, o ser mais complexo que conhecemos: o homo sapiens sapiens. Por isso, segundo mito antigo do cuidado, de húmus (terra fecunda) se derivou homo/homem e de adamah, em hebraico (terra fértil) se originou Adam- Adão (o filho e a filha da Terra).
Em outras palavras, nós não estamos fora nem acima da Terra viva.
Somos parte dela, junto com os demais seres que ela também gerou. Não
podemos viver sem a Terra, embora ela possa continuar sua trajetória sem
nós.
Por causa da consciência e da inteligência somos seres com uma
característica especial: a nós foi confiada a guarda e o cuidado da Casa
Comum. Melhor ainda: a nós cabe viver e continuamente refazer o
contrato natural entre Terra e Humanidade pois é de sua observância que
se garantirá a sustentabilidade do todo.
Essa mutualidade Terra-Humanidade é melhor assegurada se articularmos
a razão intelectual, instrumental-analítica, com a razão sensível e
cordial. Damo-nos conta mais e mais de que somos seres impregnados de
afeto e de capacidade de sentir, de afetar e de ser afetados. Tal
dimensão possui uma história de milhões de anos, desde quando surgiu a
vida há 3,8 bilhões de anos. Dela nascem as paixões, os sonhos e as
utopias que movem os seres humanos para a ação. Esta dimensão, também
chamada de inteligência emocional foi recalcada na modernidade em nome
de uma pretensa objetividade da análise racional. Hoje sabemos que todos
os conceitos, ideias e visões do mundo vem impregnados de afeto e de
sensibilidade (M. Maffesoli, Elogio da razão sensível, Petrópolis 1998).
Se assim não fosse não seria humana, mas algo maquínico.
A inclusão consciente e indispensável da inteligência emocional na
razão intelectual nos motiva mais facilmente ao cuidado e ao respeito da
Mãe Terra e da multiplicidade de seus seres.
Junto a esta inteligência intelectual e emocional existe no ser humano também a inteligência espiritual
. Ela não é um dado apenas do ser humano, mas segundo renomados
cosmólogos, uma das dimensões do universo. O espírito e a consciência
têm o seu lugar dentro do processo cosmogênico. Podemos dizer que eles
estão primeiro no universo e depois na Terra e no ser humano. A
distinção entre o espírito da Terra e do universo e nosso espírito não é
de princípio mas de grau.
Este espírito está em ação desde o primeiríssimo momento após o big
bang. Ele é aquela capacidade que o universo, mediante suas partículas e
energias,mostra de fazer de todas as relações e interdependências uma
unidade sinfônica. Sua obra é realizar aquilo que alguns físicos
quânticos (Zohar, Swimme e outros) chamam de holismo relacional:
articular todos os fatores, fazer convergir todas as energias, coordenar
todas as informações e todos os impulsos para cima e para frente de
forma que se forme um Todo e o cosmos apareça de fato como cosmos (algo
ordenado) e não simplesmente a justaposição de entidades ou o caos.
É neste sentido que não poucos cientistas (A. Goswami, D. Bohm, B.
Swimme, Bateson e outros) falam do universo autoconsciente e de um
propósito que é perseguido pelo conjuntos das energias em ação. Não há
como negar esse percurso: das energias primordiais passamos à matéria,
da matéria à complexidade, da complexidade à vida e da vida à
consciência, da consciência à autoconsciência individual e da
autoconsciência individual à autoconsciênica coletiva, aqulo que
Teilhard de Chardin chamava de à noosfera pela qual nos sentimos uma mente coletiva.
Todos os seres participam de alguma forma do espírito, por mais
“inertes” que se nos apresentem, como uma montanha ou um rochedo. Eles
também estão envolvidos numa incontável rede de relações por todos os
lados, relações estas que são a manifestação do espírito. Formalizando
poderíamos dizer: o espírito em nós é aquele momento da consciência
em que ela sabe de si mesma, se sente parte de um todo maior e percebe
que um Elo misterioroso liga e re-liga todos os seres, fazendo que haja
um cosmos e não um caos.
Esta compreensão desperta em nós um sentimento de pertença a este
Todo, de parentesco com os demais seres da criação, de apreço por seu
valor intrínseco pelo simples fato de existirem e revelarem algo do
mistério do universo. Viver é extasiar-se e encher-se de veneração e
respeito.
Ao falarmos de sustentabilidade em seu sentido mais global,
precisamos incorporar este momento de espiritualidade cósmica, terrenal e
humana, para ser completa, integral e potenciar sua força de
sustentação.
Leonardo Boff é autor de Ecologia: grito da Terra-grito dos pobre:. Dignidde e direitos da Mãe Terra, a sair pela Vozes 2014.